Perante as opções políticas tradicionais de direita e
esquerda, expressas, respetivamente, na dicotomia “mais Mercado” vs. “mais
Estado”, devemos propor, então, “mais Sociedade Civil”. Em tempos de crise de
confiança nos atores tradicionais da esfera pública (políticos, banqueiros,
grupos corporativos…) só esta é capaz de instituir uma ação política que
estabeleça referências susceptíveis de dar sentido e emprestar uma visão
coerente e de futuro ao destino coletivo.
Construir
uma solidariedade de razões
Só um movimento de cidadania, a acontecer a partir das
iniciativas dos grupos e associações de bairro, das comunidades de vizinhança,
das ONG, IPSS, Igrejas, etc. é capaz de transformar atavismo e inércia em
participação qualificada. Precisamos de reinventar as razões de vida em comum,
redescobrir o que nos une, reinventar novas formas e modelos de convivência, de
escuta, de diálogo sereno, de acção comum eficaz… Carecemos de práticas de
cidadania alicerçadas em laços humanos diferenciadores: ainda que não sejam
sólidos e definitivos, mas que sejam, contudo, conscientes e significativos.
Dito de outra forma, necessitamos ligar ‘pessoas’ e ‘lugares’, dinamizando
zonas de interação comuns, produzir lugares/tempos de encontro, visando a
construção de uma solidariedade de
razões que leve à criação de respostas criativas e inéditas de vida em
comum, através dos valores da proximidade, da hospitalidade, de cidadania e de
comunidade fomentadoras da coesão social.
Como se constata abundantemente, os sinais e os gestos de
dádiva têm-se multiplicado visivelmente pelas mais variadas esferas e lugares
da vida (inter)pessoal e social: nos atos de generosidade de hospitalidade
entre famílias ou entre amigos, na doação de sangue a desconhecidos ou no
acolhimento a estrangeiros, no apoio a grupos de entreajuda ou através de
projetos de voluntariado. Podendo ser a dádiva caracterizada como qualquer prestação
de bens ou serviços efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criação,
manutenção ou regeneração do vínculo social (Cf. A. Caillé, Antropologia da dádiva), está revestida
de um paradoxo ético: constituindo um verdadeiro bem, o seu valor não é
primeiramente económico mas antes social e moral, porque o valor não se centra
no objeto trocado, mas na troca desinteressada e gratuita - assimétrica,
portanto - que ela instaura. No momento do gesto, a dádiva implanta no coração
do doador uma expectativa, esperança ou até exigência de resposta (não
utilitarista), de um reconhecimento do ato simbólico encetado e, nessa medida,
abre a relação ao imprevisto, ao excesso, à desmesura do receber hospitaleiro.
Ao contrário de uma relação económica em que cada troca é completa, cada
relação é pontual e cada dívida deve ser definitivamente liquidada, na relação
de dádiva estabelece-se uma “dívida mútua positiva”, na expressão de J. Godbout
(O Espírito da Dádiva).
Trata-se, de facto, de uma dívida que é permanente e
recíproca, que não tem um sentido económico nem tampouco diz simplesmente
respeito “às coisas” que circulam na relação, mas que atua, no interior dessa
mesma relação, sobre o laço que se estabelece entre as pessoas. O valor de
vínculo ou valor de laço constituem-se, desta forma, em alternativas válidas
para pensar a construção da sociabilidade enquanto atribuem, antes de mais, um
valor simbólico às coisas que circulam sob a forma de dádiva: um objeto, um
serviço, um gesto de hospitalidade têm valor na medida em que exprimem,
alimentam e reforçam os laços sociais.
para ler a comunicação na intergra
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