quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Redescobrir as razões para viver o bem comum


intervenção de José Luís Gonçalves, seminário "Desafios da Cidadania Hoje"
REINVENTAR AS RAZÕES DE VIDA EM COMUM
Perante as opções políticas tradicionais de direita e esquerda, expressas, respetivamente, na dicotomia “mais Mercado” vs. “mais Estado”, devemos propor, então, “mais Sociedade Civil”. Em tempos de crise de confiança nos atores tradicionais da esfera pública (políticos, banqueiros, grupos corporativos…) só esta é capaz de instituir uma ação política que estabeleça referências susceptíveis de dar sentido e emprestar uma visão coerente e de futuro ao destino coletivo.
Construir uma solidariedade de razões
Só um movimento de cidadania, a acontecer a partir das iniciativas dos grupos e associações de bairro, das comunidades de vizinhança, das ONG, IPSS, Igrejas, etc. é capaz de transformar atavismo e inércia em participação qualificada. Precisamos de reinventar as razões de vida em comum, redescobrir o que nos une, reinventar novas formas e modelos de convivência, de escuta, de diálogo sereno, de acção comum eficaz… Carecemos de práticas de cidadania alicerçadas em laços humanos diferenciadores: ainda que não sejam sólidos e definitivos, mas que sejam, contudo, conscientes e significativos. Dito de outra forma, necessitamos ligar ‘pessoas’ e ‘lugares’, dinamizando zonas de interação comuns, produzir lugares/tempos de encontro, visando a construção de uma solidariedade de razões que leve à criação de respostas criativas e inéditas de vida em comum, através dos valores da proximidade, da hospitalidade, de cidadania e de comunidade fomentadoras da coesão social.



Dádiva: por um novo vínculo social.
Como se constata abundantemente, os sinais e os gestos de dádiva têm-se multiplicado visivelmente pelas mais variadas esferas e lugares da vida (inter)pessoal e social: nos atos de generosidade de hospitalidade entre famílias ou entre amigos, na doação de sangue a desconhecidos ou no acolhimento a estrangeiros, no apoio a grupos de entreajuda ou através de projetos de voluntariado. Podendo ser a dádiva caracterizada como qualquer prestação de bens ou serviços efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criação, manutenção ou regeneração do vínculo social (Cf. A. Caillé, Antropologia da dádiva), está revestida de um paradoxo ético: constituindo um verdadeiro bem, o seu valor não é primeiramente económico mas antes social e moral, porque o valor não se centra no objeto trocado, mas na troca desinteressada e gratuita - assimétrica, portanto - que ela instaura. No momento do gesto, a dádiva implanta no coração do doador uma expectativa, esperança ou até exigência de resposta (não utilitarista), de um reconhecimento do ato simbólico encetado e, nessa medida, abre a relação ao imprevisto, ao excesso, à desmesura do receber hospitaleiro. Ao contrário de uma relação económica em que cada troca é completa, cada relação é pontual e cada dívida deve ser definitivamente liquidada, na relação de dádiva estabelece-se uma “dívida mútua positiva”, na expressão de J. Godbout (O Espírito da Dádiva).
Trata-se, de facto, de uma dívida que é permanente e recíproca, que não tem um sentido económico nem tampouco diz simplesmente respeito “às coisas” que circulam na relação, mas que atua, no interior dessa mesma relação, sobre o laço que se estabelece entre as pessoas. O valor de vínculo ou valor de laço constituem-se, desta forma, em alternativas válidas para pensar a construção da sociabilidade enquanto atribuem, antes de mais, um valor simbólico às coisas que circulam sob a forma de dádiva: um objeto, um serviço, um gesto de hospitalidade têm valor na medida em que exprimem, alimentam e reforçam os laços sociais.

para ler a comunicação na intergra

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