sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Redescobrir as razões para viver em comum

texto de José Luís Gonçalves*


Com certeza que há ‘culpados’ na situação crítica em que nos encontramos como país, mas há, sobretudo, uma corresponsabilidade coletiva a partilhar: enclausurados nas ilusões do “mercado”, não percebemos a tempo as exigências que as profundas mudanças socioeconómicas nos colocavam pessoal e coletivamente: em poucas décadas passamos de um sociedade segura para uma sociedade de risco, vulnerável e precária. Embalados pela vertigem assistencialista, repousamos na solidez do “Estado de Bem-estar”, desligando-nos das instâncias sociocomunitárias de proximidade (associações e comunidades) e privadas (família), perdendo progressivamente o vínculo social e desistindo de procurar as razões que nos unem uns aos outros. Fechados num individualismo descomprometido, procuramos viver a ‘nossa liberdade’ em estilos de vida alternativos, redefinindo, assim, pertenças e lugares, e, com isso, também identidades: para nós, vale o que é útil e funciona. Nas últimas semanas esta mentalidade utilitária ganhou maior expressão na comunicação social onde o acontecimento se sobrepõe ao argumento e a urgência do uso público da razão tende a esfumar-se por entre as reivindicações mesquinhas de partidos e grupos que vão esgotando a esperança em projetos de vida alternativos. O reverso da medalha está à vista: desamparo, solidão, vulnerabilidade, exposição à exclusão, desilusão, desesperança… Este é o preço a pagar por uma pseudo-liberdade e cidadania vividas sem vínculo ou laço social! Por interesse ou comodismo, desligámo-nos uns dos outros!

Vivemos um tempo desafiador neste momento de vida coletiva: acreditar e refundar as razões para viver em comum é, agora, decisivo! Em tempos de incerteza social e de escassez de recursos, o desafio coletivo que enfrentamos pode formular-se nestes termos: como obter um equilíbrio entre a promoção da equidade (do que é justo para todos) e do reconhecimento (do que é válido para cada um)? Para estarmos de acordo sobre o que é justo e válido temos de ser capazes de redescobrir o que é o bem-comum! E o bem-comum só se descobre quando se está ligado vitalmente ao vizinho do prédio ou da rua, à comunidade de referência ou ao colega de trabalho por vínculos de sociabilidade que façam sentido. A noção de bem-comum – que não consiste na simples soma dos interesses particulares –, pressupõe o conjunto de condições da vida que possibilita aos grupos e a cada um dos seus membros o seu desenvolvimento integral.

Perante as opções políticas tradicionais de direita e esquerda, expressas, respetivamente, na dicotomia “mais Mercado” vs. “mais Estado”, devemos propor, então, “mais Sociedade Civil”. Em tempos de crise de confiança nos atores tradicionais da esfera pública (políticos, banqueiros, grupos corporativos…) só esta é capaz de instituir uma ação política que estabeleça referências suscetíveis de dar sentido e emprestar uma visão coerente e de futuro ao destino coletivo. Só um movimento de cidadania, a acontecer a partir das iniciativas dos grupos e associações de bairro, das comunidades de vizinhança, das ONG, IPSS, Igrejas, etc. é capaz de transformar atavismo e inércia em participação qualificada. Precisamos de reinventar as razões de vida em comum, redescobrir o que nos une, reinventar novas formas e modelos de convivência, de escuta, de diálogo sereno, de ação comum eficaz… Carecemos de práticas de cidadania alicerçadas em laços humanos diferenciadores: ainda que não sejam sólidos e definitivos, mas que sejam, contudo, conscientes e significativos. Dito de outra forma, necessitamos ligar ‘pessoas’ e ‘lugares’, dinamizando zonas de interação comuns, produzir lugares/tempos de encontro, visando a construção de uma solidariedade de razões que leve à criação de respostas criativas e inéditas de vida em comum, através dos valores da proximidade, de cidadania e de comunidade fomentadoras da coesão social.

*diretor da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, Porto, 12 abril 2011

1 comentário:

  1. Muito oportuno! Propostas construtivas que mobilizam o que há de melhor em nós...

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